domingo, 18 de abril de 2010

Corrupção: um fenômeno que não pode ser naturalizado no Brasil

Costuma-se dizer que o "jeitinho" brasileiro está incorporado na cultura nacional e, por isso, a corrupção sempre fará parte das relações sociais tupiniquins. A herança ibérica e o patrimonialismo têm sido utilizados para explicar a corrupção e naturalizam a noção de corrupção no caráter do brasileiro. Uma pesquisa survey nacional realizada entre 2008 e 2009, pelo Centro de Referência do Interesse Público, da UFMG, e coordenada por Fernando Filgueiras, Professor do Departamento de Ciência Política, propõe a desmistificação dessa leitura.
Segundo a pesquisa, o brasileiro, de um modo geral, partilha noções morais de interesse público, ou seja, sabe o que é ser honesto, e partilha um conjunto de valores morais a respeito da política. Contudo, do ponto de vista prático, esse indivíduo não se omite a praticar certas desonestidades, especialmente quando elas envolvem necessidades. Segundo o professor da UFMG, esse quadro deriva numa situação de tolerância em relação à corrupção no Brasil fruto de um sentimento contraditório do brasileiro em relação a valores e práticas sociais.
O país acompanhou a trajetória de José Arruda, então governador do Distrito Federal, preso por denúncias de corrupção, solto no último dia 12. Paralelo a este caso, em março, o programa Custe o Que Custar (CQC), da TV Bandeirantes, mostrou reportagem flagrando uma funcionária de escola pública que se apropriou de uma TV de plasma, doada pelo programa à Secretaria de Educação do município de Barueri (SP). São exemplos de corrupção em níveis diferentes. "Acredito que ambos os casos representam a pouca importância que demos a coisa pública no Brasil", avalia o pesquisador. "As noções de interesse público e de coisa pública são imprecisas em qualquer lugar do mundo. Esses conceitos são normativamente dependentes, ou seja, dependem de uma discussão sobre valores e normas que antecede sua própria formação e não têm, por sua vez, um caráter empírico. O brasileiro, de um modo geral, pensa questões do interesse público e da coisa pública associadas ao Estado e não à sociedade ou comunidade", explica o cientista político. Isso seria reflexo do conceito de patrimonialismo que reduz a leitura sobre a corrupção apenas na dimensão do Estado, "sem percebermos que essa questão tem aspectos muito mais abrangentes, porquanto ela esteja na sociedade, na economia e também na cultura política".
Para Filgueiras é possível identificar três tipos de corrupção: a controlada, a tolerada e a endêmica. O Brasil estaria, segundo sua análise, numa situação de tolerância à corrupção. A transição entre os tipos se dá através de mecanismos de controle da corrupção estabelecidos pela sociedade. " Essa situação de tolerância pode resultar em situações de endemia da corrupção, que significa exatamente quando perdemos a moralidade política, quando perdemos os valores fundamentais e uma concepção mínima de bem comum que fundam a comunidade".
Como resultado de um estado de corrupção endêmica, Filgueiras cita a violência política, a pobreza extremada, a ausência de políticas públicas e os danos ao meio ambiente como exemplos. Por outro lado, mecanismos de controle poderiam manter a corrupção em níveis menos danosos. Para isso, defende, seria preciso começar por reconhecer a existência da corrupção, suas consequências para a democracia, não bastando para isso "a intenção de extirpá-la". "Temos uma noção de senso comum, no Brasil, de que a corrupção é culpa dos políticos, que a política é sinônimo de corrupção. Contudo, para controlá-la precisamos de política, pensada, talvez, no melhor sentido da palavra", enfatiza Fernando Filgueiras.

Resenha originalmente publicada na Revista ComCiência, revista eletrônica de jornalismo científico da Unicamp.
O estudo, de autoria de Fernando Filgueiras, professor do Departamento de Ciência Política da UFMG, pode ser acessado na base de periódicos Scielo, sob o título A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas morais e prática social.

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